Para quem está chegando, para quem vive há pouco tempo e para quem não conhece Brasília, um pequeno guia sobre as festas de aniversário, um capítulo à parte na estranha vida da cidade psicopata. Quem mora aqui certamente precisará frequentar algumas festas por ano e provavelmente terá a impressão de que o número delas é bastante superior ao número de amigos. Então, vejamos o que acontece.
1. Realmente, o aniversariante não é necessariamente um amigo. As pessoas aqui provavelmente vão te desprezar durante a maior parte do tempo e não atenderão a eventuais solicitações por algum programa social, por mais casual que seja - cinema, teatro, show. Não, elas não fazem questão de sua companhia, solidariedade ou amizade. Aliás, elas estão se lixando para você. Mas não estranhe se elas gentilmente te convidarem para o aniversário delas - como veremos, faz parte do show.
2. O aniversário será em algum bar ou restaurante badalado da cidade. Ela vai te ligar ou enviar e-mail com data, hora e local. Os mais criativos mandam até folder colorido e engraçadinho sobre a festa. Você sorrirá, esperançoso, tentando visualizar alguma espécie de vínculo afetivo naquele convite. Não se engane, você é apenas um número. Aceite e confirme, você está em Brasília e tem que cumprir o ritual, sob pena de ser considerado anti-social ou estranho.
3. A festa começou em algum bar ou restaurante badalado da cidade. Identifique uma mesa enorme reservada nalgum canto do local - é onde está a festa. O aniversariante já terá chegado e estará sentado no topo da mesa, sorridente e eufórico. Vá até ele (ou ela), entregue o presente (o que?! você não comprou, seu inútil?!), dê dois beijinhos e diga alguma coisa gentil. Recolha-se à sua insignificância e procure o seu lugar no mesão.
4. Eu aconselho usar a fantasia morto-carregando-o-vivo. Eu explico. Leve alguém com você, mesmo que a pessoa nunca tenha visto o aniversariante mais gordo. E alguém bem animado, se for possível, daquele tipo que fica amigo de infância de qualquer pessoa que conhece. Não tem problema se esse comportamento for parte de algum transtorno emocional grave. Ele vai ajudar você a se fingir de morto e enfrentar a parte mais dura da festa, que começa agora.
5. O mesão vai sendo preenchido por gente que você nunca viu na vida e que não faz questão nenhuma de olhar para a tua cara feia. Conforme-se. Estarão presentes muitas patricinhas, carinhas fortões, alguns gays (especialmente se é aniversário de mulher), pessoas de mais idade (das quais o aniversariante só identificará a mãe ou o pai), uma amiga escandalosa que fala e ri alto, um amigo que bebe todas, uma mulher que se embriaga (e que pode ser a mesma escandalosa). As pessoas conversarão em grupos de dois ou no máximo três. Não tente se aproximar dos grupos, são espécies de clãs invioláveis e você não está ali para provocar uma guerra entre tribos, não é mesmo?
6. Coisas vão aparecendo no mesão - petiscos que ninguém sabe quem pediu, bebidas e drinques exóticos. A essa altura, todos falam alto. Apegue-se ao vivo que você trouxe e não deixe que nenhum clã se apodere dele - é a salvação para a sua falta de assunto e baixa popularidade no mesão. Beba. Beba bastante. Anime-se, uma hora essa festa vai ter que acabar. É a hora do bolo.
7. A amiga escandalosa traz o bolo, todos cantam, as pessoas em outras mesas fingem animação, é o auge da festa. E é a senha para as pessoas começarem a ir embora. Quem ficar por último é mulher do padre e ainda pagará a conta dos outros. Mexa-se. Conta parcial de cu é rola. Não discuta o que bebeu ou comeu, é horrível. Pague a sua parte, faça com que o vivo pague a dele e cumprimente o aniversariante. Ligue o foda-se e peça para levar um pedaço do bolo, pode servir pra lanchar mais tarde. E afinal, você merece. Sorria para o mesão e dê um tchau geral. O mesão vai te olhar com desprezo, mas mantenha a cabeça erguida e saiba - outros aniversários virão.
Por causa da tatuagem que fiz recentemente, e devido aos cuidados que ela inspira, eu estou impedida de fazer coisas que adoro e obrigada a fazer coisas que detesto:
Impedida de fazer qualquer tipo de exercício físico, inclusive a minha adorada ioga. O calor pode causar falhas na tatuagem, ainda mais que a minha é na perna.
Obrigada a tomar banho frio, a água quente pode desidratar a pele.
Impedida de usar vestidos, minha primeira opção quase todo dia, pois ainda estou com um curativo horroroso.
Obrigada a fazer dois curativos horrorosos por dia, que incluem água gelada, esparadrapo que eu nunca encontro (as minhas gatas escondem) e filme plástico em volta do tornozelo.
Impedida de tomar sol (o que vai durar meses, exceto com bloqueador solar sobre a tatuagem).
Obrigada a dormir com o pé da tatuagem para cima, pra melhorar a circulação sanguínea na região do tornozelo.
Impedida de exibir a minha tatuagem como eu gostaria, pois ainda não está pronta.
Obrigada a esperar mais alguns dias para concluir a pintura, acumulando o pavor de sentir novamente aquela dor toda.
Agora eu sei, juro que sei, todos os tatuados são pessoas especiais. Purificadas. Pessoas santas.
Porque eu sei, ah como sei, tatuagem é purgatório. Que venha o paraíso. No meu caso, com as cores de flores do cerrado.
Eu sentei numa imensa poltrona, ele arrumou almofadas sob as minhas costas. Perguntou se estava confortável, respondi que sim. Então ele pegou uma pistola com uma agulha e eu senti a minha perna sendo furada, uma dor lancinante.
Foi assim que começou a minha primeira tatuagem, uma tornozeleira de flores do cerrado. Duas horas depois, ainda não havia acabado, mas eu não suportava mais sequer o toque da agulha. E cá estou eu, com o tornozelo amarrado com uma bandagem cheia de pomada cicatrizante.
Tatuagem dói, muito, muito, muito. Ela não está pronta, será necessária uma segunda etapa para colorir mais duas flores que estão desenhadas, mas sem cor. Mesmo assim, eu olho para ela com um certo encantamento em meio à estranheza.
Sim, porque é estranho ver desenhos permanentes nalguma parte do corpo. Mas elas estão lá, as flores, e são tão lindas e dizem tanto sobre a minha vida, sobre mim e sobre os lugares onde vivi, que sou capaz de dizer que faria de novo, mesmo agora, sabendo que dói tanto.
Hoje fui a um brechó, pela primeira vez na vida. Já andei fuçando os brechós eletrônicos, mas nesse brechó, localizado na Asa Norte aqui de Brasília, eu entrei completamente por acaso. No início foi bem difícil. Tem tanta coisa junta que a gente começa a achar que não vai identificar nada interessante. Mas eu tinha tempo, afinal, tinha matado saído mais cedo da aula.
Então, eu achei peças incríveis. E não entendi por que nunca antes eu fui a um brechó. Por que pra mim, que não gosto da última moda, que não curto usar o que está em alta na novela e que detesto hippie de boutique, me pareceu perfeito.
hippie de boutique, esse estranho ser que invadiu as passarelas e profanou um dos movimentos mais expressivos e libertários que a humanidade já teve.
Não acredito em moda, nem em estilo, muito menos em atitude. Acredito na autencidade e na possibilidade de expressar idéias por meio das roupas. Algumas pessoas fazem isso muito bem. A maioria segue uma ordem geral e boa parte se perde em excessos, por que agora ser fashion é lei. Quando eu falo de autencidade, falo também de uma naturalidade quase que simplória, mas incrivelmente sensual. A tradução disso, para mim, é ela:
Eu sei, a professora de ioga sempre diz que a vida é um laboratório, e não um tribunal. Que não devemos nos punir. Mas eu me chicoteio, ah sim, eu faço isso, por uma péssima e incurável mania que me persegue: o julgamento precipitado dos outros.
Foi assim com ela, a quem carinhosamente chamarei de chefinha, a minha nova superior imediata (#MilitarismoFeelings) há alguns meses. Eu fiz uma radiografia da chefinha à primeira vista e o resultado não foi dos mais favoráveis. Achava que ela sorria demais, falava doce demais, era amável demais. Pollyana demais. E achava que essas não eram qualidades desejáveis para o cargo que ela ocupa. Eu a chamava mentalmente de pamonha. Eu evitava olhar para a chefinha, conversar com ela, trabalhar com ela. Pois eu me recuso a conviver com pollyanas.
Minha radiografia até poderia fazer sentido. Algumas pessoas são simpáticas e doces o tempo todo, por necessitarem da aprovação alheia. Dessas que são capazes de negar a própria dor para oferecer o único comprimido da bolsa. Desses bons samaritanos que inspiram cuidados, pois parecem não gostar muito de si mesmos - e como poderão gostar dos outros? Essas pessoas têm uma violência contida, sempre prestes a explodir, e das piores formas possíveis. Eu sempre preferi os escancaradamente neuróticos.
O raciocínio um tanto pessimista estaria correto... se ela fosse realmente assim.
Com o tempo, eu comecei a perceber que aquelas características que tanto me irritavam tinham dois lados.
A doçura é verdadeira, mas vem acompanhada de uma força capaz de impor limites na hora em que é preciso. E, por ser amável, ela é o tipo de chefe que pede as coisas com uma delicadeza que nos faz sentir amados desde a infância. Mentira, um pouco menos. Tem estimulado habilidades que eu costumo deixar de lado, outra característica de um bom gerente. Não força aproximações pessoais, mas é sempre ouvidos quando se trata das particularidades de cada um.
Não sei por quanto tempo ela será minha chefe, o serviço público tem uma rotatividade natural. E isso pouco alterou o meu trabalho, pois costumo ser formiga operária, faço o trabalho que é preciso, independente de quem esteja no comando. Mas a lição foi para mim, a minha intransigência e intolerância prévia com as pessoas. Que podem me impedir até de conhecê-las. No caso em questão, era quase que inevitável que eu me deparasse com essas verdades. Mas quanta gente deve ter ficado pelo caminho, sem que eu me permitisse uma aproximação, para que talvez elas me provassem o contrário do que eu imaginava. Ou talvez nem me provassem. Mas pelo menos eu estaria vivendo num laboratório, e não num tribunal.
Existe uma pressão social implícita para que estejamos todos casados. Bem ou mal casados, não importa. E existe uma rivalidade explícita entre solteiros e casados. E nunca dá pra saber de que lado é melhor estar.
Enquanto solteiros postam fotos com as festas mais alegres de todo o planeta, os casados se perguntam como alguém pode ser tão incessamente feliz. E contra-atacam, alardeando a felicidade de ser um casal, dormir de conchinha, viagens a dois e outras delícias da vida dos acompanhados.
Eu não tenho posição formada sobre isso. Sei que estou cada vez mais desiludida com os dois tipos de vida. Não invejo a solidão sorridente dos solteiros, nem o aconchego sufocante dos casados. Se pudesse escolher, meu apartamento teria dois botões na entrada, para a escolha diária: solteira ou casada.
No caminho entre o meu trabalho e a minha casa, eu avaliaria cuidadosamente o meu estado de espírito e decidiria. Quando chegasse, já teria a minha decisão e poderia escolher que tipo de vida eu quero para aquela noite. E só para aquela noite.
Ao apertar o botão "casada", eu abriria a porta e daria de cara com um marido zeloso, tarado e sorridente no sofá, que me aguardaria com um abraço e jantar prontinho no fogão. Claro que eu providenciaria a mesa e o vinho, para reforçar essa idéia de cumplicidade, pois afinal eu não quero um escravo. Conversaríamos sobre o nosso dia, sobre política, sobre amenidades. Sorriríamos de alguma piada ou acontecimento passado. Faríamos planos para uma viagem a Pirenopólis no próximo final de semana. E depois do jantar, é *claro* que dormiríamos agarradinhos. Não sem antes... hummmm, vocês sabem.
No dia seguinte, já um tanto impaciente com as manias do meu marido-robô, que sempre deixa a toalha molhada em cima da MINHA cama nos meus dias de casada, eu chegaria em casa decidida a apertar o botão "solteira". E assim teria cedo, eu abriria a porta e me depararia com quatro gatas famintas e carentes de afeto. Depois de oferecer ração e carinho para cada uma delas, eu me espalharia no meu enorme sofá e me esbaldaria ali com companhias deliciosas: um notebook, a novela das 9 e uma barra de chocolate branco. Sem ninguém para me encher o saco. Sem obrigações para dividir, sem satisfações a prestar. Eu ligaria para uma amiga e combinaria uma viagem para o feriadão. E sorriria com algum comentário no Twitter até me deixar nocautear pelo sono, nunca antes de 1h da manhã.
Sim, pelo direito aos dois botões da felicidade, nós não deveríamos ser obrigados a escolher.
Eu quero tudo, mas um pouco de cada coisa a cada dia.
Tem horas em que a vida não anda, fica indo e vindo sem sair do lugar. Sentimentos confusos, indecisão, incerteza.
Tem horas em que dá vontade de ser aquela violeta na janela do banheiro, indiferente aos desacertos entre os humanos e às complicações que eles inventam para si mesmos.
Tem horas em que dá vontade de seguir o conselho do Hawking e sair por aí, pesquisando em imobiliárias interplanetárias, até encontrar um lugar decente para morar em Júpiter.
Nessas horas, a gente bem sabe o que fazer. Sabe sim. Eu sei. E farei. Em breve. Em setembro.
Correr é um exercício solitário. É uma luta contra si mesmo, especialmente nos primeiros minutos, quando a respiração está ofegante, as passadas ficam difíceis e o coração salta dentro do peito. E vem uma vozinha não-sei-de-onde que te diz "pára tá louca pra que isso vai caminhar". Quem consegue superar essa fase, os limites desse momento, tem a recompensa - o estado de calma. Uns minutos - muito mais do que na fase difícil - de deleite, de vento batendo no rosto, escutar os próprios pensamentos, sentir a respiração, o corpo anestesiado. Êxtase.
Correr é um exercício de honestidade. Porque não é possível enganar a si mesmo durante a corrida. O corpo dá sinais de cansaço contra os quais é quase impossível de lutar, a partir de determinado ponto. É a respiração que falta, é o corpo que dói, é a disposição que acaba. E vem a negociação, diminuir o ritmo ou parar, vem o olhar para si mesmo e se reconhecer em limites que não necessariamente são fragilidades.
Correr é um exercício de coragem. Coragem para se impor uma disciplina rígida de treinos, para desafiar o tempo, o clima, o ambiente. Para sair à rua, faça sol ou faça chuva, só para sentir aquele prazer no final da corrida. É preciso olhar para a frente, é preciso não se comparar com os demais, é preciso acreditar na própria força. É preciso coragem.
Correr é um exercício solitário, de honestidade e coragem. Correr é como viver.
Desconfiar é a melhor forma de encarar pessoas e situações novas. Desconfiança quase paranóica. De tudo: palavras bonitas, boas intenções, projetos exuberantes. Em geral, a regra é descobrir que as pessoas não são ou que dizem ou tentam ser - elas são simplesmente o que são. E, principalmente, como agem.
Pé atrás, pulga atrás da orelha, barbas de molho. A desconfiança é a arma dos sábios. Caso tenha sido um engano, que ótimo, tudo fica bem. Se a desconfiança se mostrar frutífera, melhor ainda, não há decepção. Assim sendo, melhor desconfiar de tudo e de todos. Menos desse post.
Sexo é importante, ou nem tanto assim, sexo não importa. Afinal, qual é o lugar do sexo nas nossas vidas? Em primeiro lugar, ele ocupa um lugar diferente na vida de cada pessoa e quanto a isso não tem jeito, cada um é cada um. Mas de um modo geral, as pessoas atribuem uma importância extraordinária ao sexo. E de fato, o sexo vem determinando a história humana.
É importante sim, mas não é inconcebível pensar numa relação a dois sem iexo Outros elementos satisfazem outras necessidades, tão ou mais importantes. Compensações, fases e sentimentos determinam o lugar do sexo nas nossas vidas. Pois ele também pode ser perdição e traição. Só vale a pena sofrer e se sacrificar por sexo por algum tempo. Pouco tempo.
Por fim, sexo é importante na medida da nossa necessidade dele. É como o dinheiro, segundo Victor Hugo: tem que ficar claro quem é o dono de quem. E convenhamos que não é fácil comandar esse instinto que nos persegue desde que nos entendemos por gente. E gente precisa de sexo.
Essa couraça, essa impermeabilidade aos desatinos da vida, essa imunidade que a gente tem ao sofrimento depois de uma certa idade (cof cof), isso não é apenas defesa - é evolução. A gente evolui e pára de sofrer por tão pouco, deixa de gastar energia com quem não merece, aprende a exercitar o desprezo.
A evolução segue, e quem souber aproveitar vai desmistificar várias bobagens que a gente aprende ao longo da vida: que Deus castiga, que a família é sagrada e que casamento é para sempre. E que amor romântico é a forma mais pura do amor. E que livros têm todas as respostas.
Esses mitos que nos contam e a gente alimenta. Essas mentiras que a gente repete até que (quase) se tornam verdade. Essa mania de querer ter razão. Vai tudo por água abaixo. A couraça serve para nos proteger de intempéries apenas para preservar nosso bem mais precioso - nós mesmos. O resto é contingência.
Deve haver maiores e mais relevantes vantagens em estar sozinho do que a possibilidade de comer carne de sol com cebola, apontada por @Cathala no Twitter. Sim, elas existem e estão por aí.
Solteira desde o ano passado, eu fiz cinco viagens legais, Numa delas, me viciei apaixonei por corridas. Comecei a praticar yoga e tive ganhos físicos e emocionais que eu não poderia imaginar. Passei a estudar melhor, a prestar mais atenção em mim, gostei de ficar completamente à vontade em casa. Mudei o cabelo, fiz tratamento dentário (os ossos estavam meio esquecidos no tempo), assisti a peças, filmes e desfile de moda. Bebi vagarosamente algumas doses de vinho (pernambucanos, de preferência). Sorri para alguém que me olhou com interesse. Dispensei noites escuras em boates e descobri que adoro ficar em casa. Tuitei, tuitei, nem sei como eu tuitava assim...
Se eu poderia fazer tudo isso estando com alguém? Claro que sim. Mas é que aconteceu quando eu estava sozinha. E eu agradeço à solidão por isso. Aprendi a não maldizer o fato de estar sozinha. No mínimo, quando eu tiver alguém, vou conseguir equilibrar melhor esse autocuidado de quem está só, com o delicioso comodismo de ter alguém para partilhar o dia-a-dia.
Mais ainda, aprendi a não abrir mão de uma boa carne de sol com cebola, vez em quando.
Eu estava voltando da minha habitual corridinha do domingo, quando passei por uma casa no momento em que as pessoas estavam saindo para algum lugar, provavelmente para almoçar, pelo horário. A cena me chamou atenção por um detalhe: a mulher usava um salto altíssimo. Domingo, final da manhã. Eu de tênis de corrida. Deu vontade de chegar juntinho do ouvido dela e cochichar: "filha, relaxa e vai calçar uma rasteira, hoje é domingo".
Mas são assim as mulheres de Brasília, de domingo a domingo: salto alto, maquiagem, acessórios, cabelos, penduricalhos, muita pose. Em pleno fim de semana, aquele momento pelo qual eu espero ardentemente para ficar completamente à vontade, lá estão elas, aprisionadas no mundo fashion. Tudo tem que estar estiloso, precisam de algum diferencial, precisam aparentar algo que eu ainda não sei bem o que é.
O pior, pode ser que sejam felizes assim. Porque eu não ouso arriscar um palpite nesse lance de felicidade. Mas eu vejo apenas desconforto e aparência. Eu não sou dessa tribo. Eu gosto de estar quase descalça, quase relapsa, quase imperceptível. Eu caminho por entre as mulheres plastificadas de Brasília sem encontrar o meu lugar. Nesta cidade loira, de cabelos alisados e óculos enormes no rosto. Uma cidade de salto alto.