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Estado de Coisas

quarta-feira, abril 26, 2006
Mágoas de Cabocla
Nunca fui pessoa de guardar mágoas, pelo menos não por muito tempo. Nesse ponto, sempre fui tipicamente ariana - a raiva dá e passa, e parece que nada aconteceu. De volta a Recife, alguns e-mails me despertaram uma indignação que mais parece rancor. Pessoas que nunca se importaram comigo, ou pior, que me sacanearam deliberadamente, enviam e-mails cheios de saudade e de uma amizade que nunca tivemos, de fato.

Tem a ex-colega de trabalho garotinha boba e arrogante, que mal olhava para a minha cara e para os demais, pois acha que o mundo gira em torno do cabelo-chapinha dela e que os outros não merecem um bom dia. Vivia tramando e cochichando contra os outros e fantasiava-se de católica fervorosa aos domingos. Tudo o que eu não suporto em alguém. Mandou e-mail perguntando de mim, trabalho, vida e filho. Lógico que apaguei sem responder.

Tem a outra ex-colega fdp que se fingia de amiga enquanto se dedicava a puxar o tapete sob os meus desvisados pés. Mandou e-mail por que viu um show de Lenine e lembrou de mim com saudades, como é que pode?! Lenine não merecia essa. Lógico que apaguei sem responder.

Tem o outro que é conterrâneo, mora em Brasília e nem me cumprimentou pela volta, apesar de eu ter avisado que viria para Recife. Dois meses depois, manda e-mail perguntando por mim e 'que bom que você voltou'. No segundo parágrafo, a verdadeira razão do contato: queria saber algumas dicas no trabalho e achou que eu poderia ajudar. Ainda não apaguei, mas estou fortemente tentada a fazê-lo.

A visão utilitarista que as pessoas têm dos outros em Brasília realmente me cansou. Agora, que não preciso mais usar nem me deixar usar por ninguém, prefiro apagar pouco a pouco essas pessoas que nada significaram, de verdade. Perdão é uma virtude que (me corrijam se eu estiver errada) está sempre a um passo da fraqueza.

Não quero ficar ruminando sobre o que poderia ter sido e não foi. Mas também não quero compartilhar essa felicidade toda com quem nunca se importou comigo. Sou do tipo que prefere missa de corpo presente. Ainda em vida, de preferência. Não que a amizade precise de afirmações diárias e em alto e bom som. Pelo contrário, o afeto verdadeiro pode descansar por muito tempo, em silêncio, sem mudar a sua essência. Mas é que, com o tempo, a gente aprende a separar o afeto verdadeiro da simples especulação sobre nossas vidas, e quem precisa estar sempre por perto de quem deve ser mantido a léguas. Nem precisa estar perto fisicamente - alguns amigos virtuais estão mais próximos do que os fantasmas reais que deixei em Brasília.

Talvez eu tenha que aprender a perdoar. Mas não agora.

Ou, como diz aquele bom samba:

Quando eu me chamar saudade
(Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito)


Sei que amanhã
Quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora
Me dê as flores em vida
O carinho
A mão amiga
Para aliviar meus ais
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais

Sou totalmente a favor. Já fui acusada de cruel pra baixo, porque gosto de cortar mesmo. Se não tem mais nada a ver, não sei por quê tenho que esperar esfriar o que já está quase morto. Aliás, essa é uma das grandes vantagens de mudar de cidade: começar do zero em tudo o que for interessante.


Deve ser coisa de áries e gêmeos.  

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Bem entendo. Gostei dessa frase sobre o utilitarismo por se estar em Brasília. Mais pura verdade. Beijão.  

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