Sentiu um baque no coração. Estava num bar com amigas, quando o avistou do outro lado, numa mesa com amigos. Vontade de chorar, de ir até lá, de contar a história pela milésima vez para as amigas [que não suportariam mais ouvir], de sumir dali. Tudo ao mesmo tempo.
Pediu mais uma vodka para se acalmar. Avisou para as amigas, que ficaram apreensivas, pois sabiam que aquela história nunca tinha se resolvido para ela. Mas depois do primeiro gole da vodka, acendeu um cigarro e uma calma esquisita tomou conta dela. Sabia bem o que fazer, não havia motivos para nenhum tipo de sobressalto.
Ele veio na direção da mesa, ela gelou. Lindo, lindo, como sempre fora. Maravilhosamente malvado, dolorosamente indiferente. Ela sorriu cordialmente, levantou-se para cumprimentá-lo:
- Tudo bem?
- Tudo azul, querido, e você?
- Tranquilo.
Depois das devidas apresentações na mesa, um leve constrangimento e a volta à normalidade. Convidou-o para sentar um pouco. Parecia que o momento de acerto de contas havia chegado, eles poderiam conversar, quase um ano depois, sobre o estranho fim daquele relacionamento. Em pouco tempo, a conversa tomou um rumo perigosamente intimista.
- Sabe, Fulano, hoje eu vejo que o que doeu mais forte em mim, no fim do nosso caso, foi a rejeição. Não aceito rejeições muito bem. Ninguém aceita. Fiquei deprimida, depois doente, depois convalescente e agora desiludida. Dói até hoje, principalmente o que ainda não entendo.
Ele tentou ser prático:
- É, mas você sabe, essas coisas acontecem e nem sempre estão sob o nosso controle. Conheci outra pessoa, rolou uma magia incrível, foi tudo imediato: afinidade, paixão, casamento, vontade de ficar junto pra sempre. Com você foi legal, mas... acabou.
Ele calou-se, percebendo que estava sendo cortante demais, talvez sem querer. Ela permaneceu atenta, olhando fixamente para ele, como que procurando entender aquela situação mais que as palavras dele. Ela não sabia suportar as rejeições muito bem. Ninguém sabe. Tomou outro gole de vodka enquanto ouviu ele se despedir serenamente:
- Fica bem, tá, Fulana? Vou voltar para a minha mesa.
Ele acariciou a cabeça dela enquanto sorria, mas ela sentiu um certo ar de chacota no sorriso dele. Deveria ter trabalhado melhor isso na terapia, ou deveria ter ido a outro bar, ou deveria sair dali imediatamente. Depois que terminou o segundo cigarro, levantou-se com o copo na mão, para surpresa das amigas, e foi até a mesa dele.
"Esqueci uma coisa", disse, com um sorriso estranho. Em seguida, jogou o conteúdo do copo no rosto dele, diante dos amigos atônitos.
Voltou para a mesa ainda com o sorriso estranho, que nem era de vitória, nem de amargura. Pegou a bolsa e ordenou às amigas: "vamos embora."
No caminho, as amigas, eufóricas, comentaram o feito:
"Que boa vingança, hein, amiga, jogar um copo de vodka na cara dele?! Puxa, isso é que é lavar a alma, e com vodka da boa!", disseram, entre risadinhas e gritinhos.
Mas ela não ria para além daquele riso estranho. Foi quando finalmente revelou:
- Não era vodka, era ácido sulfúrico de efeito retardado que eu mandei preparar especialmente para esse momento. Vai começar a fazer efeito daqui a duas horas.
Súbito fim das risadinhas, silêncio entre as amigas, que pararam no meio do caminho, assustadas, sem saber o que fazer.
Ela seguiu andando, sem desmanchar o sorriso estranho. Nunca aceitou muito bem as rejeições. Ninguém aceita.
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