Segunda-feira. Acordou ainda sonolento, mas levantou rapidamente depois de olhar o relógio. Teria cerca de meia hora para tomar banho, vestir-se, pentear cabelos, escovar dentes, comer, dar um 'oi' para a mulher, um beijo na filhinha, que estaria dormindo, pegar cartas na caixa de correio, na saída e, ainda, ... ah, apenas rotina! Quem não tiver uma após a outra, todas milimetricamente iguais, que atire a primeira pedra.
Estranhou não haver ninguém em casa. Percorreu todos os cômodos, apenas silêncio e ausência. "Elas devem ter saído cedo para um daqueles ensaios na escolinha..." - pensou. Mas a empregada também não havia chegado. "Outra falta para ir ao médico." - resmungou. Vestiu-se, penteou cabelos, comeu qualquer coisa, escovou dentes, tudo na mesma sequência do dia anterior, mecanicamente.
Fechou portas e grades e portões e tudo que há para se fechar em tempos de medo. Deixou bilhete - era, acima de tudo, um marido-pai atencioso. Foi para o ponto de ônibus, esperou muitos minutos, mas nenhum transporte coletivo passou por ali. Nem transportes individuais. Nem pessoas. Rua deserta, como se fosse madrugada, mas o sol já se mostrava, majestoso, em todo o seu calor das oito da manhã.
Voltou para casa apreensivo. Tentou organizar as idéias, mas elas sequer existiam. Tentou ligar para alguém, não havia sinal no telefone. Tentou ver televisão, viu apenas a ausência de canais. Gritou pelo vizinho, sem ouvir resposta. Foi só então que lembrou de verificar a folhinha do calendário na cozinha.
Como ele pôde esquecer?! Era o Dia Internacional de Ninguém. Durante 24 horas, estaria completamente sozinho no mundo.
Preparou um café, sentou no sofá e se entregou, resignado, à leitura da Folha de São Paulo do dia anterior.
Em tempo: sim, eu ouvi [e imaginei] a música "No Dia em Que a Terra Parou", de Raul Seixas [1977], durante todo o final de semana.
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