Ela abriu o portão lentamente e olhou para os lados. A rua já estava calma, noite quente, lua crescente, enorme, parecia mesmo estar tão próxima... Circulando, apenas as putas que costumavam fazer ponto no local, tão assíduas que já nem chamavam a atenção. Poderiam ser parte da paisagem monótona da rua, não fossem a boca vermelha, os saltos agulha e as saias minúsculas que ofereciam pernas enormes. Ela sempre olhava com discreta curiosidade - as pernas delas pareciam aumentadas por algum tipo de reflexo que ela não conseguia identificar. Talvez o da lua crescente.
Enquanto caminhava, tentando disfarçar a discreta curiosidade, pensava em por que a vida tinha que ser tão simples. Bobagem, a vida nem é simples. A rotina simplória talvez despertasse esse desejo por emoções fortes. Mais pernas enormes, outras esquinas. Leu uma matéria em que a psicanalista afirmava com convicção que toda mulher tinha a fantasia de prostituição. Talvez isso explicasse a incontrolável e sutil curiosidade que sentia então.
Mas não era o sexo, nem a rotina simplória, nem as pesquisas científicas que não vêem um palmo diante do nariz. Era mais que isso, era uma vontade indecifrável, um querer impossível, talvez esperar tudo o que não lhe era dado. Tudo o que teimosamente tinha ficado para trás. E sabe lá o que haveria por vir?! O que havia além do desejo e qual era mesmo o ponto de interface entre a vontade e o sonho? Resta a vida, em movimentos incompreensíveis, risonhos e andarilhos. E via a si própria, em inúmeras cópias que ficaram pelo caminho. Ou nada, apenas um turbilhão de emoções desatinadas em noite quente de lua crescente. Haveria o namorado esperando, com toda a sua previsível simplicidade. No dia seguinte, haveria o trabalho e mais sorrisos inúteis e mais os contos que lia e mais os delírios que cultivava. Sempre no horário em que as moças de pernas enormes estivessem recolhidas, tudo tão diurnamente saudável e indiferente.
Àquela hora, na rua já quase na penumbra e andando apressadamente, ela sabia bem o que tinha que fazer. Entrou na farmácia, comprou o analgésico que faltava em casa - pequeno vício medicamentoso - e o guardou no bolso da saia, que nem era minúscula. E voltou para casa, pois, passado apenas aquele rápido instante, a lua nem parecia ter o mesmo reflexo. Pernas menores na volta para casa.