A viagem a Campo Grande até que começou bem. Para a leitura de bordo, escolhi O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams, uma ficção científica divertidíssima. Um trecho do livro, que transcrevo a seguir, já é um clássico para mim. Exatamente pelas mesmas razões, eu falo pouco, em geral. Ah sim, Ford é um extraterrestre que passou uns dias na Terra:
Uma das coisas que Ford Prefect jamais conseguiu entender em relação aos seres humanos era seu hábito de afirmar e repetir o óbvio mais óbvio, coisas do tipo "Está um belo dia", ou "Como você é alto", ou "Ah meu deus, você caiu num poço de 10 metros de profundidade, você está bem?". De início, Ford elaborou uma teoria para explicar esse estranho comportamento. Se os seres humanos não ficarem constantemente utilizando seus lábios - pensou ele - , eles grudam e não abrem mais. Após pensar e observar por alguns meses, abandonou essa teoria em favor de outra: se eles não ficarem constantemente exercitando seus lábios - pensou ele -, seus cérebros começam a funcionar. Depois de algum tempo, abandonou também esta teoria, por achá-la demasiadamente cínica, e concluiu que, na verdade, gostava muito dos seres humanos. Depois do livro e trabalho de quatro dias, fui a Bonito - o nome da cidade diz tudo e qualquer adjetivo seria redundante e insuficiente. Grande parte das belas paisagens do lugar está nas mãos da iniciativa privada, o que torna qualquer passeio extremamente salgado. Em compensação, Bonito é uma cidade que tem uma organização voltada para o turismo que vi poucas vezes.
Foi ótimo me aventurar pela cidade. No sábado, uma trilha dentro de uma fazenda, mata ciliar cheia de bichos interessantes, árvores assassinas [uma espécie de Figueira que se alimenta de outras árvores], cachoeiras em formação, cachoeiras já formadas e maravilhosas, um rio de águas claras passando por tudo isso. Ignorei o fato de que uma das participantes do passeio vestia-se como mergulhadora profissional apenas para entrar nos riachos e cachoeiras: máscara, colete salva-vidas, snorkel, botas de mergulho, e o guia carregando tudo isso por uma bóia amarrada a uma corda. Ignorei até mesmo o fato de que essa pessoa era eu. Sim, em termos de natação, eu sou uma pedra que entra em pânico quando não sente o chão a seus pés. Mesmo assim, ainda me arrisquei num salto de tirolesa sobre o rio com três metros de profundidade. Delícia.
No domingo, a Gruta do Lago Azul, um passeio que, por si só, já valeria a viagem de mais de quatro horas até Bonito. A descida é de 100 metros, por uma escadaria de mais de 280 degraus. Tudo na gruta é gigantesco: as formações geológicas no teto e no chão, o lago imensamente azul por uma linda ilusão de ótica, de profundidade desconhecida, pedras enormes que reagem ao simples toque. Um lugar mágico, pacientemente construído pela natureza ao longo de milhões de anos, um ex-mar que emana uma energia totalmente especial. Fiquei encantada. Enquanto os outros conversavam ruidosamente com o guia, eu fiquei ali, sentada, pensado na lenta e intensa transformação daquele lugar, nos pequenos e valentes microcrustáceos - a única forma de vida encontrada no lago, em quando aquele lugar serviu à crueldade dos coronéis que atiravam escravos ali, nos troncos que foram levados pelos ventos para o fundo das águas e que certamente serão absorvidos pelo lago, enfim, no descompasso existente entre nós e a natureza selvagem. E olha que eu nem fumei nada por lá...
Na volta, chopinho em Campo Grande à noite e eu, de volta para a cidade psicopata, me despedi da cidade com casas cheias de telhados e pintadas com cores fortes.
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