Sim, o conto do patinho feio é real. E, sim, eu já fui [sou?] um.
Eu, na infância, até que era engraçadinha. Cabelos curtinhos, ao gosto de minha malvada mami, esquelética como uma Kate Moss. Às vezes com ar de moleque, fruto da convivência mais próxima com dois irmãos que têm idade próxima à minha. Estudiosa, fazia tarefas sozinha e já com disciplina militar. Tenho algumas fotos com meus livros, que guardava junto com minhas roupinhas de sair, na gaveta mais privilegiada do armário.
Na adolescência, os problemas começaram. Os óculos grossos para correção de miopia começaram a pesar como nunca. Cabelos curtos e crespos, nunca tive a liberdade de deixá-los crescer, pois era ainda minha malvada mami quem apitava no cabelereiro. A magreza excessiva deixou de passar despercebida e nem era o padrão da época. Pernas finas, finíssimas, parei de usar bermudas, por motivos óbvios. Olhos enormes num rosto cheio de espinhas. Um monstrinho vestido com conjuntos rosa-choque.
A propósito, as roupas eram um capítulo à parte. Modelitos da última década, reaproveitados dos irmãos mais velhos, afinal a escalada de sete filhos, um a cada dois anos, tinha que ter vantagens para os meus pais - como a de não precisar comprar muitas roupas para o bando. Eu, na condição de caçula, tinha o ônus de estar no final na fila das minhas roupas. Odiava todas elas.
A pior coisa desses período é que eu nunca era chamada para dançar nas festinhas da época. Música lenta e eu sentada pateticamente. Umas duas vezes que me chamaram, foi caso para paixão platônica alimentada durante semanas. Aliás, paixões platônicas não faltaram durante a minha fase Vandinha Addams. Decidi que era melhor não saber dançar. Em compensação, estudava feito louca - eu continuava amando as letras e números e células e fórmulas, tudo tão fascinante.
A virada, a revanche, o Dia Seguinte. Aos 20 anos, poucos dias depois da graduação, já estava empregada. Primeiro salário, fortuna perto da bolsa de iniciação científica que me sustentou durante três anos. Investimento: lentes de contato. O mundo como ele era e meu rosto a salvo das bolotas de metal que me acompanharam durante muitos anos. Salários seguintes, novas pequenas fortunas e era cabelos ondulados e compridos, roupas e mais roupas, as delícias da maquiagem, soltar o forró que esteve no meu pé o tempo inteiro, ouvir elogios, beijar bocas. Mundo enorme e cheio de pessoas.
Hoje em dia, quando alguém me elogia, ainda olho de lado, desconfiada. Cabelos que não cortei mais [sob protestos da mami malvada, hohohohoho] e óculos que só uso à noite, sozinha e com a luz apagada. Tenho esporádicos surtos consumistas e compro roupas sem culpa. Não tenho saudade da adolescência, mas a trouxe comigo para os bons tempos em que posso escolher com quem dançar. Por outro lado, preciso cada vez menos da aprovação alheia para me sentir bem. Sim, são bons tempos.
O patinho feio se foi, mas a menina obcecada por livros e a adolescente atirada nos estudos ficaram. Com a vantagem de que agora são exímias dançarinas de forró. :)
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