"Houve nessa tarde dois momentos que me inquietaram. Quando disse dos dois únicos homens de sua vida, falou rapidamente, sem me olhar, e saltando logo da cama, foi fazer chá. Como se não pretendesse se estender sobre o assunto e nem estivesse tão convencida dele. Voltou da cozinha e não me deu tempo para falar. A me acariciar. Aos poucos, o olhar se transformou. Transparente, de tal modo límpido que parecia me atravessar. Ia além de mim. Havia felicidade pelo amor que tínhamos acabado de fazer. E íamos fazer de novo, estava chegando. No entanto, subitamente, seu olhar me ignorou. Fixou-se num ponto indefinido, naquela pessoa que não existia. Sorrindo, sem sorriso. Foi somente mais tarde, bem depois, quando o inexplicável afastamento já tinha começado, ela a escorrer mansamente, em silêncio (Como podia ser tão tranqüila enquanto as coisas iam por água abaixo?), é que descobri. O olhar-câmera, aquele em que ela não via ninguém. Dirigido a todo mundo, subdividido a cada um em particular, acessível, e sem se deixar possuir."
(do livro O Beijo Não Vem da Boca, de Ignácio de Loyola Brandão)
_____________________