Estava debruçado sobre a janela e, de súbito, antes de concluir o que havia ido fazer ali, veio a necessidade de construir uma auto-imagem, a partir de pensamentos desconexos.
Seria ele apenas pessoa-formiga, com uma missão a cumprir, mas sem pensar sobre ela? Ou pessoa-andarilho, com diferentes caminhos para seguir e escolhendo-os puramente pela beleza ou pelo que é possível? Pessoa-fragmento, sempre tão completo e insuficiente. Pessoa-pessoa, amando e odiando, amado e odiado.
Inclinou-se um pouco mais sobre a janela, estava quase pronto. Qual dessas pessoas valeria a pena? Quanto importa seguir em frente? E o que há depois, se é que há algo? Vida de angústia permanente, solidão intrínseca e felicidade que vinha apenas em rompantes da mais contente ignorância. Pensou nisso e em mais nada.
Terminou de limpar a janela, que a essa altura já estava impecável, como ele gostava. Tirar aquela poeira toda que se acumulava ali parecia limpar-lhe a alma também. Fechou tudo, orgulhoso pelo pequeno triunfo doméstico, e resolveu limpar também os móveis. Só assim poderia, finalmente, descansar em paz.
_____________________