A cada dia, torna-se mais difícil manter um relacionamento afetivo. E eu que achava que isso ficaria mais simples com o passar dos anos. Se eu pensei/disse/imaginei/afirmei/defendi alguma coisa nesse sentido, nego tudo agora, três vezes, diante do espelho. Paixão e idade, definitivamente, não combinam.
Falta alguma coisa que eu tive antes, com outro alguém. Falta algo que eu nunca tive antes e que nem sei o que é. Falta fogo, falta água, sobra ar. Respira-se demais, reflete-se demais e os defeitos aparecem antes mesmo que a gente se dê conta de que NÃO está apaixonado. Pés na terra, falta a cegueira que é companheira inseparável da paixão. Ouvidos atentos, olhos abertos, boca fechada e pele retraída. Sentidos em alerta contra a paixão. E ela não vem, tadinha, assustada com tamanha proteção.
Falta a vontade de arrancar os cabelos, o aperto no peito, a necessidade insaciável. Vem a tristeza, um vazio preenchido de tudo o que há para fora da paixão, mas ainda assim vazio. Surge, então, a paixão por paisagens, causas, músicas, projetos e tudo o que é virtual. Paixão abstrata, não menos apaixonada. Apenas um tanto e inexplicavelmente nostálgica.
Talvez eu precisasse de um paixômetro, instrumento para medir a paixão e suas febris consequências. No caso de diminuição de nível, que fosse possível ingerir algumas doses de paixonol, medicamento estimulador do sentimento. Em caso de excesso na ingestão, seria simples - neutralizar os efeitos com paixomidina, o inibidor completo. Para não faltar paixão, nem morrer de paixão.
Ouvindo Amor de Muito,
de Chico Science e Nação Zumbi
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